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A vegetariana de Han Kang

250xJá há algum tempo que este livro estava na minha prateleira, à espera de tempo e vontade. Finalmente decidi pegar nele, num dia chuvoso em Lisboa, vinda do norte no dia anterior, viagem na qual terminei de ler outro livro que já merecia ter sido lido.

Este não foi o primeiro livro coreano que li. O primeiro que li, Tenho o direito de me destruir de Kim Young-ha, mas confesso que não gostei muito. Por isso, estava um pouco reticente quanto a começar este. Assustava-me ser uma tradução de uma tradução que foi considerada muito polémica por ser demasiado “livre” e mesmo errada, muitas vezes, pelo que pude averiguar nas críticas. Muita tinta corre no mundo da tradução no que diz respeito à lealdade que um tradutor deve ao original, a famosa expressão Traduttoretraditore.  Na minha opinião, a tradução será sempre uma interpretação do original feita pelo profissional incumbido da hercúlea tarefa de transpor as ideias e todo o contexto que envolve uma obra literária de uma língua de partida para uma língua de chegada. Acreditem, não é nada fácil e falo por experiência própria. Muitas vezes as pessoas estão sempre prontas a criticar e a atacar ao mínimo deslize. No entanto, Charse Yun,  professora de tradução em Seoul, pensa que Smith, a tradutora de Kang “simplifica o estilo parco e calmo de Kang, embelezando-o com advérbios, superlativos e outras escolhas de palavras expressivas que não se encontram de todo no original”. Na opinião desta professora, não se trata somente de uma questão de precisão mas também de legibilidade cultural.

Como tradutora, estes comentários deixaram-me um pouco indecisa quanto à leitura deste livro. No entanto, a curiosidade foi superior à desconfiança e assim nasce esta publicação.

Sobre a autora

Han Kang (한강) é uma escritora sul-coreana, de Gwangju e venceu o Man Booker Prize de 2016 com A Vegetariana. Estudou na universidade de Yonsei, tendo trabalhado como jornalista. Atualmente, é professora de criação literária no Instituto de Artes de Seul e explora a sua criatividade escrevendo contos e novelas.

Sobre a obra (contém pequenos spoilers!)

Tudo começa com um sonho. Yeong-hye, a mulher do Sr. Cheong, “alguém que não tinha rigorosamente nada de especial”, escavaca o frigorífico, retirando todo e qualquer tipo de carne na sequência de um pesadelo visceral. Esta “crise” vem romper com o mundo totalmente mediano e normal, completamente vazio de relevo em que os personagens vivem.

Contada em três actos, de três perspectivas diferentes – a do marido, do cunhado que fica obcecado por ela e da irmã – este livro é uma fábula negra, uma espiral que começa a rodar suavemente mas que nos suga para um mundo complexo, deixando-nos sem ar. A narrativa chega a ser sufocante, ouvir os gritos de apelo de uma mulher esmagada pelas regras que chegam de todos os lados: da sociedade, dos pais, do marido. Habituada a não ter controlo sobre nada, Yeong-hye agarra-se à sua tábua de salvação e ao que consegue controlar: a escolha de não comer carne.  É realmente chocante ler certas partes do livro, como o jantar de família que que o pai da protagonista empurra, de forma bem literal, um pedaço de carne pela garganta dela abaixo. A reação da filha é violenta, um corte de pulsos perante os olhares perturbados dos familiares, o que leva ao internamento numa instituição. O objetivo final de Yeong-hye é tornar-se uma árvore, viver como árvore, alimentar-se como árvore. A narrativa no hospital é dolorosa, vemos a personagem a tentar atingir um grau de (des)humanidade extremo, para talvez deixar de sentir tanta dor.

É um desenrolar de páginas densas, sobre o direito de escolhermos o que fazemos ao nosso corpo, sobre o impacto que as nossas decisões têm sobre os outros, sobre o silêncio as suas consequências, sobre o controlo que temos sobre as nossas vidas.

 

Fontes: 

A Vegetariana de Han Kang, editora D. Quixote (Wook)

New Yorker

 

 

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